domingo, 20 de maio de 2012

[P. Gomes]




... lendo um livro uma vez, um trecho dele, talvez, meu coração disparou com a seguinte frase que eu li: “A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa”. E com a meia caneta que tinha, no verso da folha, sentada no meio da escada de mármore da faculdade, fugindo dos hormônios loucos e soltos naquela sala, com míseros 25min resolvi recontar a mim mesma a primeira vez que fugi de casa.

******




Já era tardezinha quando olhei pela fresta da cortina que me revelava tantas outras janelas. Ao mesmo tempo que eu olhava por essa fresta, lembrava, como num sonho, minha mãe dizendo para eu não sair de casa até que ela voltasse. Ora essa, eu sei bem me cuidar, eu já tenho 10 anos, são muitos anos, e também eu não vou longe daqui.

Meu coração disparado quase explodiu quando bati a porta de casa. Afoita, desci correndo as escadas, quando me deparei com a rua e todos aqueles carros. Não sabia aonde ia, só sentia o coração bater cada vez mais rápido, como se sentisse bater dentro de mim, os segundos do relógio passando, eu não via o tempo, só via a imensidão que me aguardava, precisava ser rápida, mas meus pensamentos me confundiam entre tempo, espaço e imagens. Eu não queria só ver, eu precisava sentir.

Conforme eu ia caminhando ia vendo pessoas, cachorros, as vezes com seus donos, as vezes não, via carros, via crianças, via praças, parecia um detento que acabou de sair da prisão, tudo tinha cheiro, as cores eram radiantes, os sorrisos eram perfeitos e as caras fechadas assustadoras, além de novo, era tudo muito intenso. Cada coisa me remetia a um pensamento. As crianças com suas mães me faziam lembrar da minha, que me fazia lembrar que eu não deveria estar ali, que fazia meu coração voltar a disparar. A calma das praças me fazia esquecer, me fazia bocejar o sossego de estar em liberdade. E o cair da noite fez com que eu imaginasse como seria minha volta pra casa, o que eu inventaria, ou se eu diria a verdade, não conseguia imaginar a cara da minha mãe ouvindo o porteiro dizer que sai anda a tarde, com uma pequena bolsa na mão.

Só conseguia imaginar quando teria de novo essa sensação.

Essa havia sido a primeira vez, que fugi de casa para ver o mundo.

*******

Nenhum comentário:

Postar um comentário